sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ATTHAKA o livro das oitavas

Doutrina Budista Ortodoxa em versos

I - VERSOS GÊMEOS OU CAMINHOS OPOSTOS - YAMAKAVAGGA


1.
Todas as coisas são precedidas pela mente, guiadas pela mente e criadas pela mente. Tudo o que somos hoje é resultado do que temos pensado. O que pensamos hoje é o que seremos amanhã; nossa vida é uma criação da nossa mente. Se um homem fala ou age com uma mente impura, o sofrimento  acompanha tão de perto como a roda segue a pata do boi que puxa o carro.

2.
Tudo o que somos hoje é o resultado do que temos pensado. Se um homem fala ou age com a mente pura, a felicidade o acompanha como sua sombra inseparável.

3.
Ele me insultou. Ele me maltratou. Ele me rebaixou. Ele me roubou. Os que abrigam tais pensamentos não se libertarão do ódio e do ressentimento.

4.
Ele me insultou. Ele me maltratou. Ele me rebaixou. Ele me roubou. Não há ódio nem ressentimento para os que jamais dão guarida a tais pensamentos.

5.
O ódio jamais é vencido pelo ódio. O ódio só se extingue com o amor; esta é uma lei eterna.

6.
Muitos não sabem que estamos neste mundo para viver em harmonia, esquecendo-se de que morrerão um dia. Para os que meditam nisso, não há divergências e a vida se torna mais branda.

7.
Aquele que vive somente a procura de prazeres, ocioso, descontrolado nos sentidos, intemperante na alimentação, é dominado por Mâra (tentação), como as árvores fracas são derrubadas por uma ventania.

8.
Quem vive com os sentidos bem controlados, sem procurar prazeres, se alimenta com moderação, tem confiança no poder da virtude, não será iludido por Mâra (tentação), como uma rocha não é abalada por um vendaval.

9.
Indigno é de usar o hábito amarelo aquele que de suas impurezas não se libertou, que não é sincero e que não alcançou o domínio de si mesmo.

10.
Mas quem se purificou, controlou os sentidos e firme na virtude permanece, este é de fato digno de usar o hábito amarelo.

11.
Aquele que confunde o Real com o irreal (ilusão) e o irreal com o Real, nunca alcançará a Verdade, perde-se no caminho das ideias errôneas.

12.
Mas quem reconhece o Real como Real e a ilusão como ilusão com segurança alcançará a Verdade.

13.
Da mesma maneira que a chuva penetra na casa mal coberta de palha, as paixões invadem a mente mal vigiada.

14.
Da mesma forma que a chuva não penetra na casa bem coberta de palha, as paixões não invadem a mente bem vigiada.

15.
O insensato, que age de modo errôneo, sofre neste mundo e no seguinte. Em ambos ele se aflige e se lamenta ao recolher os maus resultados de suas ações impuras.

16.
O homem virtuoso, que age bem, é feliz neste e no mundo seguinte: em ambos ele é feliz. Ele se alegra e se rejubila ao recolher os bons resultados de suas ações.

17.
Neste mundo, como no seguinte, sofre o insensato: sofre nos dois. Persegue-o o fruto do mal praticado e seu infortúnio aumenta à medida que avança nas esferas do mal.

18.
Neste mundo, como no seguinte, o homem virtuoso se rejubila:  é feliz em ambos os estados. Reconforta-o o bem realizado. Maior ainda se torna sua alegria à medida que avança nas esferas da beatitude.

19.
Falar muito e recitar os textos sagrados, mas não agir consoante a eles, este incauto assemelha-se a um vaqueiro que só conta o gado alheio. Não e discípulo do Bem-aventurado.

20.
Falar e recitar pouco os textos sagrados, mas praticá-los, libertando-se da cobiça, da ira e de toda ilusão com verdadeira Sabedoria, com a mente livre dos vínculos deste mundo ou de outro qualquer, na verdade, este homem participa da vida santa!


II - VIGILÂNCIA OU PLENA ATENÇÃO - APPAMADAVAGGA

21.
A vigilância é o caminho da imortalidade - Nibbana (Nirvana). A negligência é o caminho da morte. Os vigilantes não perecem; os negligentes já estão como mortos.

22.
Os que pela vigilância vêem a Verdade, sábios e sempre plenamente atentos seguem felizes no caminho dos Ariyas (Seres Nobres).

23.
Pela meditação profunda, perseverança e infatigável energia, os sábios avançam no Caminho e, por fim, realizam o Nirvana, a suprema paz e incomparável alegria.

24.
Aquele que é enérgico, atento, puro na sua conduta, que age de uma maneira refletida que é vigilante, cuja confiança se reafirma no autocontrole, vivendo uma vida de perfeição - este homem alcançará a glória.

25.
Pelo esforço, reflexão, vigilância e autodomínio, o sábio se torna uma ilha jamais submersa pelas vagas.

26.
Por ignorância os insensatos se entregam à negligência. Os sábios mantêm a vigilância (plena atenção) como o tesouro mais precioso.

27.
Não te abandones à negligência, nem te entregues aos prazeres sensuais. Somente na vigilância e na meditação profunda reside a Suprema Alegria.

28.
Quando, pela vigilância, o homem deixa de se ser negligente, ele se eleva às alturas da Sabedoria e de lá, liberto do sofrimento, contempla com serenidade a multidão sofredora, como do alto um montanhês divisa a planície.

29.
Vigilante entre os desatentos, desperto entre os indolentes, o sábio avança rápido como um corcel veloz que deixa após um pobre rocinante.

30.
Graças à vigilância, Indra (deus do firmamento e da chuva) conquistou posto supremo entre os deuses. A vigilância é sempre admirada, a negligência sempre desprezada.

31.
O bhikkhu (monges) que se compraz na vigilância e conhece o perigo da negligência avança no caminho como o fogo, queimando pequenos e grandes obstáculos.

32.
O que se compraz na vigilância e teme a negligência não pode se perder no Caminho; está próximo do Nirvana.

III. A MENTE - CHITTAVAGGA


33.
Da mesma forma que o armeiro fabrica flechas que sejam retas, o sábio corrige sua mente incerta e instável, difícil de vigiar e dirigir. 

34.
Como um peixe fora d'água ofega e se agita incessantemente, assim se esforça e luta nossa mente para livrar-se da rede de Mâra (tentação).

35.
A mente é instável e caprichosa, difícil de ser vigiada; é ligeira, corre sempre para onde lhe apraz; dominá-la é grande bem; é uma fonte de grande alegria.

36.
A mente é invisível e sutil, difícil de ser vigiada, correndo para onde lhe apraz. Que o sábio a vigie: vigiada é uma fonte de felicidade.

37.
Errando ao longe, solitário, inconsistente, oculto, o pensamento habita no recesso do coração; assim é a mente.

38.
As mentes instáveis, que ignoram o Caminho da Verdade e carecem de confiança e paz, não chegam à plenitude da Sabedoria.

39.
As mentes calmas e controladas, livres do grilhão dos desejos, que se elevaram acima do bem e do mal, despertas, desconhecem o temor.

40.
Considerando este corpo frágil como uma jarra de argila, façamos da mente uma fortaleza subjugando Mâra com o gládio da Sabedoria. Depois da vitória, a conquista é mantida pela constante vigilância.

41.
 Não tardará muito e este corpo jazerá por terra, abandonado, sem vida, inconsciente, insensível, semelhante a um inútil galho seco. Mas não perecerão as consequências de seus pensamentos; os bons engendrarão boas ações e os maus engendrarão más ações.

42.
Qualquer que seja o mal que alguém faça q quem odeie, ou entre si façam dois inimigos, maior mal é o causado pela mente mal dirigida.

43.
Nem pai, nem mãe, nem parente algum nos fará tanto bem quanto a mente bem dirigida.


IV. FLORES DA VIDA - PUPPHAVAGGA

44.
Quem dominará este mundo, o reino de Yama (da morte e do sofrimento) e o mundo dos deuses (seres divinos)? quem saberá reunir as estrofes do Caminho da Perfeição como ramalhetes de flores?

45.
O Discípulo dominará este mundo, o mundo dos seres divinos e o reino de Yama, e saberá reunir habilmente as estrofes do Caminho da Perfeição, como quem tece grinaldas de flores. 

46.
Aquele que sabe que este corpo é efêmero como a espuma das ondas e ilusório como uma miragem, desviará a flecha florida de Mâra (sensualidade) e, desapercebido do rei da morte, prosseguirá no Caminho.

47.
Como uma torrente inunda e arrasta uma aldeia adormecida, seguindo seu caminho, assim a morte arrasta o homem cuja mente colhe as flores das paixões sensuais. 

48.
Aquele que, ávido de desejos, colhe as flores das paixões é surpreendido pela morte antes mesmo da saciedade. 

49.
Que o sábio viva em sua aldeia, assim como a abelha recolhe o néctar sem prejudicar a cor e o perfume da flor. 

50.
Não vos ocupeis com as palavras ásperas, faltas ou negligências alheiras, mas, sim, sede consciente de vossas próprias palavras, atos e negligências.

51.
Semelhante às belas flores coloridas, mas sem perfume, são infrutíferas as belas palavras dos que as dizem, mas não as seguem.

52.
Semelhantes às belas flores coloridas e perfumadas, são frutuosas as belas palavras dos que as dizem e as seguem.

53.
Como um monte de flores dá numerosas grinaldas, assim também o homem, nesta vida, tem numerosas boas ações a praticar. 

54.
O perfume das flores, do sândalo, do jasmim ou do incenso não é levado contra o vento; mas o perfume da virtude sobrepujou o vento, alcançando os confins do mundo. 

55.
Muito acima do aroma do sândalo, do incenso, do lótus ou do jasmim, eleva-se o perfume da virtude suprema.

56.
Fraco é o perfume, levado pelo vento, do sândalo, do incenso ou do jasmim, comparado ao da Sabedoria, que alcança  mundo dos seres divinos.

57.
Mâra ignora o caminho da verdadeira virtude, dos que vivem em vigilância e se libertaram pela Suprema Sabedoria.

58-59.
Como o lírio perfumado cresce e floresce no lodo, à beira da estrada, o Discípulo do Supremo Desperto brilha, pela pureza e sabedoria, entre a multidão cega (iludida) deste mundo.


V. O INSENSATO - BÃLAVAGGA


60.
Longa é a noite para quem vela, longa é a estrada para quem está fatigado, longa é a série dos nascimentos e das mortes para os insensatos presos à ilusão dos desejos e que desconhecem a verdadeira Lei (o Caminho).

61.
Na grande jornada da vida, não encontrando quem lhe seja superior ou igual, que resolutamente prossiga solitário. No Caminho não há sociedade com insensatos.

62.
“Esses filhos são meus, estas riquezas são minhas.” Assim se atormenta o insensato. Verdadeiramente, nem nos pertencemos a nós mesmos, muito menos filhos e riquezas.

63.
O insensato, reconhecendo-se como tal, pelo menos nisto é sábio. Mas o insensato que se julga um sábio, este sim é verdadeiramente um tolo.

64.
Mesmo convivendo a vida toda com um homem sábio, o néscio percebe tão pouco do Caminho da Sabedoria, como a colher o gosto da sopa.

65.
Mas  o homem esclarecido (aquele que se observa e vê), estando um só minuto na companhia de um sábio, logo perceberá o Caminho da Sabedoria, como a língua da sopa.

66.
Os insensatos, que acreditam serem sábios, são inimigos de si mesmos: fazem más ações, das quais, por fim, só colhem frutos amargos.

67.
Não é boa a ação que depois de feita traz arrependimentos; quando amadurecida, produzirá frutos amargos que serão colhidos com lágrimas e lamentos.

68.
Realmente boa é a ação que depois de feita não traz arrependimentos. Quando amadurecida, produzirá frutos doces que serão colhidos com alegria e contentamento.

69.
Doce como o mel parece ao tolo à má ação enquanto imatura, porém, quando ele amadurece, o sofrimento aparece, amargo como fel.

70.
Por mais tempo que se alimenta com o auxilio da ponta afiada da erva Kusâ, o insensato nem por isso alcançará a décima sexta parte dos que se alimentam da Verdade (Sabedoria dos Sábios).

71.
A má ação não dá frutos imediatos, como o leite recém-derramado não azeda imediatamente. Como fogo escondido sob cinzas, um belo dia o mal irrompe sobre o insensato.

72.
A maldade do insensato, aumentada pela esperteza, perturba sua mente e aumenta sua ruína.

73.
O néscio (sem instrução, sem discernimento) é capaz de desejar uma reputação imerecida, veneração entre os seus e, entre os bhikkus a primazia nos mosteiros.

74.
“Que os leigos e religiosos me julguem perfeito, que a mim obedecem e se submetam às minhas menores ordens” – assim pensa e fala o insensato, e seus desejos e orgulho crescem sem cessar.

75.
Existe um caminho que leva aos bens terrestres, outro que leva ao Nirvana. Sabedor disso, o discípulo do Supremo Iluminado não aspira a honras, mas esforça-se na vigilância para a libertação.

 76.